Brasileiros tipo Exportação – ainda enviando matéria-prima para os gringos

Há cerca de dez anos, Arthur Verocai foi surpreendido pela notícia que recebeu do produtor Kassin: seu até então único disco solo, editado em 1972, era disputado em sebos por DJs europeus. Começava aí um movimento espontâneo que fez o arranjador, compositor e guitarrista carioca, que três décadas antes trocara a música pela publicidade, retomar a carreira. Desde então, Verocai já lançou dois novos CDs autorais, "Saudades demais", em 2002, e "Encore" (em 2007, para a gravadora inglesa Far Out), e voltou a trabalhar como arranjador. Também viu seu LP de estréia, "Arthur Verocai" (Continental), ser relançado em 2003, em vinil e CD, pelo selo americano Luv N' Haight (da gravadora Ubiquity).
E, em 2009, fez um concerto em Los Angeles, na Timeless: The Composer/Arranger Series, cujo registro foi lançado este ano numa caixa com três DVDs - um do próprio Verocai, outro do compositor e músico etíope Mulatu Astatke e um terceiro com a "Suite for Ma Dukes", em tributo a James "Dilla" Yancey, morto em 2006.

 

No momento, Verocai negocia a versão brasileira de seu DVD, que traz 18 composições interpretadas por uma orquestra de 30 integrantes.


- Fui convidado em 2008, e me disseram que podia pedir o que quisesse. Não poupei, e eles ficaram um pouco surpresos, mas correram atrás de patrocínio e conseguiram tudo, mesmo que para isso tenham adiado os concertos, que seriam em dezembro e acabaram acontecendo em março de 2009 - conta Verocai, que, por seu lado, também se surpreendeu com o tratamento VIP que recebeu.


- Eu me senti como o rei de Los Angeles, era o cara, botaram um tradutor para me acompanhar, uma produtora, tudo funcionou bem.

 

Seriado - Arthur Verocai - LIVE in Los Angeles

 

A boa nova trazida por Kassin chegou num período em que a produção para a publicidade já não rendia tanto, quando muitas das agências começavam a trocar o Rio por São Paulo. Para piorar o cenário, Verocai, que entre o fim dos anos 60 e o início dos 70 brilhara como um precoce e inovador arranjador - com trabalhos para, entre outros, Ivan Lins, Jorge Ben, Erasmo Carlos, Luiz Melodia, Gal Costa, Marcos Valle, Marlene... Nunca teve ilusões em relação ao que vinha fazendo nas duas últimas décadas.

 

- Música, aquilo não era - diz, agora, em seu apartamento no Humaitá, o carioca de 65 anos, que percebeu isso logo nos primeiros contatos com os publicitários. Verocai relembra o dia em que, empolgado, tentou mostrar o arranjo de cordas que fizera para uma trilha, mas ninguém na reunião prestou atenção na música que saía das caixas de som. Já o jingle para um remédio veterinário, que entregou semanas depois, foi recebido com euforia por trazer "cocococós" para os ovinos, "muuuuuuus" para os bovinos e demais infantilizados recursos onomatopéicos. O hoje cultuado álbum, que três décadas depois de seu lançamento tirou Verocai do ostracismo, na época foi ignorado, ou pior, tachado de coisa de maluco. Quando isso ainda não era um elogio.

 

- Outro dia, um jornalista australiano disse que a minha música é psicodélica. Nunca tive essa intenção. O que é música psicodélica? Talvez os Mutantes tenham feito, mas eu, não - diz Verocai, que também vê seu disco ser erroneamente associado à Tropicália, descoberta na última década pelo rock anglo-americano.

 

 

- Musicalmente, a Tropicália não trouxe novidade, era mais marketing, mais uma filosofia. Mesmo a discussão sobre o uso da guitarra elétrica foi uma bobagem: até na Rádio Nacional, nos anos 50, já se usava guitarra na música brasileira. Em 1972, aos 27 anos, credenciado por seus arranjos e composições - em 1968, Elis Regina defendeu num festival "Um novo rumo", de Verocai e Geraldo Flach.

 

- Ele teve carta branca para fazer o que quisesse no estúdio, trabalhando com instrumentistas como Oberdan Magalhães (fundador da Banda Black Rio), Paulo Moura, Toninho Horta, Hélio Delmiro, Nivaldo Ornelas, Robertinho Silva... Musicalmente, misturou bossa nova e MPB com influências que passavam por jazz (do Miles Davis de "Bitches brew" ao Frank Zappa de "Hot rats" ou o Weather Report, de Joe Zawinul e Wayne Shorter), soul (Marvin Gaye), folk (Crosby, Stills, Nash & Young).
Num longo perfil publicado em 2009, a revista americana "Wax Poetic" (referência atual no jazz e na black music) classificou a obra de Verocai de à frente de seu tempo. Um estilo que, no início dos anos 90, chamou a atenção do DJ inglês Joe Davis.

 

 

- Encontrei seu LP em 1993, numa de minhas viagens ao Rio, sempre atrás de discos brasileiros obscuros e diferentes. Instantaneamente, adorei o estilo dos arranjos e a forma como juntou grandes instrumentistas, canções e produção. Até hoje, o LP de Verocai continua entre meus favoritos. Na época, não sabia quem era, mas me lembrava de já ter visto seu nome em LPs de Jorge Ben e Ivan Lins - recorda Davis, que, em 2005, foi o produtor executivo do terceiro disco de Verocai, "Encore", lançado em 2007 na Europa e no Japão.

 

 

O caso de Arthur Verocai é mais um numa crescente lista de obscuros discos brasileiros dos anos 70 que, a partir de meados dos anos 90, começaram a rodar o mundo nas mãos de DJs atuantes nas cenas do jazz ou do hip hop. O que poderia ser um modismo passageiro prossegue em alta. No fim de 2009, o rapper Jay-Z (mais conhecido como o maridão de Beyoncé) usou na faixa "Thank you" trechos do tema instrumental "Ele e ela" (de um LP de Marcos Valle de 1970).

 

Ainda no ano passado, outro rapper de ponta, e também ator, Mos Def, utilizou em duas músicas do CD "The ecstatic" gravações brasileiras do mesmo período: "Casa Bey" é baseada na versão jazz-samba-funk da Banda Black Rio para "Casa forte" (Edu Lobo), enquanto a faixa-bônus "Best in the world" tem como fundo sonoro "Onda", de Cassiano e Paulo Zdan, na clássica gravação de Cassiano no LP "Cuban soul".

 

 

 

 

 

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