Por que surfamos?
Por quê surfamos?
Esta é uma inusitada pergunta que me ocorre: Por quê surfamos?
Não lembro de saber a resposta, só sei que é uma necessidade, aliás das mais básicas no meu caso.
Ao meu ver esta é a ordem das necessidades do ser humano:
Dormir;
Surfar;
Comer [ isso inclui atos antropofágicos];
Não necessariamente nesta ordem.
Nestas estão incluídas as necessidades básicas de todo ser humano comum mortal mediano – saúde, atividades psico-motoras e alimentação. Não o bastante, é uma questão de sobrevivência nesta selva de pedra e um momento único de alegria, sensação de liberdade, beleza e velocidade.
Surfamos porque somos livres. Precisamos ser soberanos sobre a natureza, mesmo de um ponto de vista limitado por alguns segundos, mas peculiar e incrível – quem consegue descrever, em poucas palavras, um belo tubo de manhã com o terral sobrando e você sendo envolto por um turbilhão de água, e mesmo assim conseguir sair de dentro do tubo sequinho? E todos inevitavelmente na praia viram-se para o mar quando rola aquele “barrel” perfeito.
E quanto saímos juntinho com a baforada do tubo?
É a resposta da natureza te dizendo – Vai! Você dominou minha onda e agora eu o abençôo com um tubo perfeito, numa onda perfeita!
E a velocidade e adrenalina de pegar uma onda realmente grande? Indescritível!
Desde os tempos mais remotos o homem surfa e nem se dava conta disso. E surfar é uma necessidade, mesmo longe da praia.
Antes era uma questão de locomoção e sobrevivência, talvez daí venha a minha própria necessidade e de meus contemporâneos. Quando os primeiros registros foram feitos pelos exploradores navegantes, perceberam que era muita mais do que necessidades básicas, era uma forma de se afirmar em meio a tribo, de mostrar o respeito que você tinha e o direito de surfar as ondas de sua ilha. Autoridade esta adquirida em função de uma boa administração e serviços prestados à comunidade, davam-lhes este direito de ter a maior prancha de surf e pegar as melhores ondas. Bem que este sistema poderia ser adotado aqui na ilha Brasil. Se fez bem à sociedade, recebe seu direito de governar “as ondas da cidade”, do contrário nem sairia de casa.
Penso também num outro princípio mais amplo e abstrato: o de que a vida vem em ondas.
Tudo no universo está em propagação, desde sua criação e a idéia de um início explosivo. Desde então o mundo está em propagação em ondas de energia, expandindo através de uma constante universal, propagando em ondas que podem ser sonoras, em ondas óticas, em ondas eletromagnéticas, até o ponto de vibrar partículas, causando ação e reação, fazendo a vida acontecer e se transformar.
Chego a conclusão de que sempre surfamos e nunca demos conta disso. Surfamos desde que o universo passou a existir. Surfamos desde quando o grande arquiteto do mundo resolveu “dropar” sua grande onda e criou os princípios das leis que regem nosso mundo.
E essa onda foi grande. Continua “quebrando” formando inúmeras sessões ao longo da praia, a nossa vida. Toda vez que alguém nasce e rompe a passagem do mundo cósmico e se materializa em carne e osso, essa onda continua, fluindo através de nosso corpo até mesmo quando este não mais tem vida, e retorna ao seio da mãe terra.
Dentro do período de gestação, nós como embrião surfamos no líquido amniótico. E quando nascemos, choramos talvez porque queremos voltar pra dentro do tubo e continuar surfando.
E o que dizer das belas paisagens que nos cercam à baira-mar? O contato com a natureza e o entendimento da vida selvagem, a observação das plantas e sua interação com os ciclos das estações, o comportamento dos animais e a riqueza que nos faz compreender que a vida natural é simples, perfeita, completa e harmoniosa.
E as garotas? Qual lugar melhor seria para viver do que perto das mais belas formas femininas, douradas e brilhantes, pousando infinitamente em trajes mínimos e sensuais, esperando a chegada do astro maior para beijar-lhes o corpo e acentuar suas curvas, tornando-as mais belas, molhadas e coradas… Delirei totalmente agora, vou correndo pra praia!!!
Vejo que a função da água se encaixa perfeitamente no surfe e não é por acaso que surfe sem água fica incompleto. Não que estes amigos dos vídeos não estejam se divertindo, e que os “skatistas” também não se divirtam, mas em suas mentes estão surfando grandes ondas de água, sentindo até o contato com a água, transpirando e mergulhando em imagens mentais fluídas, infinitas e constantes num mar de cor e beleza inimagináveis.
A Terra é noventa por cento de água. Nossos corpos são setenta por cento água. Talvez isso explique muita coisa: na água a vida foi gerada, com a água as reações químicas se processam, na água a corrente elétrica se propaga, e com a fibra ótica é possível interligar os mundos, se faz o grande tráfego de dados e informações do mundo moderno.
E com outros princípios físicos, o homem está chegando mais longe, a fim de descobrir de onde vem essa grande onda da vida. Indo cada vez mais próximo de desvendar os segredos do universo e da origem da vida.
O homem vai continuar surfando, consciente ou não, na grande onda que flui dentro do nosso corpo, vai buscar surfar as melhores ondas das praias mais distantes da terra, vai continuar buscando respostas para a sua origem, respostas para os seus sonhos e objetivos, e vai continuar querendo saber para onde esta grande onda vai levá-lo.
Eu já sei para onde vou.
Vou correndo pra dentro d´água aproveitar ao máximo enquanto ainda temos alguns refúgios paradisíacos ao longo do litoral brasileiro.
Eu, minha prancha de surf, uma boa companhia feminina e um mar infinito de ondas. Viva o surf, viva a vida, viva o grande surfista do universo!
SURFAMOS PORQUE SOMOS LIVRES
Aloha Shalom Namastê Positividade
Extensão das possibilidades
Na piração de reinventar as sensações, o homem sempre procurará viver e dar explicações para o quê somos, de onde viemos e para onde vamos...
Enquanto mortais, a única coisa que tentaremos ser é imortais, ou semi-deuses. E por causa disso, criamos nossas máquinas e teorias.
Ou ainda, segundo Voltaire, se não houvesse um Deus seria necessário criar um.
Paradoxos do mundo do surf *
* título anarquicamente motificado e texto reproduzido de Sidão Tenucci
“Em Jaws, quando a ondulação bate na bancada, levanta um triângulo para o céu.”
– Nicole Pacelli, 19. Campeã brasileira feminina de stand up paddle.
Quando baixa para a matéria, nós, humanos, em geral, nos complicamos – ou apenas seguimos a nossa índole, cumprindo o ciclo previsto, e tendemos a apodrecer tudo à nossa volta no processo.
O interessante é que a vida, durante todo o seu percurso, vai imitando e ensaiando o seu próprio fim - a contínua deterioração da nossa expressão material: o próprio corpo.
Shiva, o deus hindu da destruição ou da transformação, perfeita metáfora do processo da vida humano, é símbolo e agente dessa nossa tendência.
A administração dessa condição corpórea é um desafio para o Super-Homem Do Milênio Perplexo. Hermético sim, mas com o coração grande. Poucos, pouquíssimos transcendem essa condição.
O mestre Yogananda foi um deles, com a comprovada e documentada preservação do seu corpo exposto, cheirando a flores, durante vinte dias depois da sua morte. Hoje, estamos tentando voltar a ser novamente corpo e espírito, ou como diz o meu amigo Fernando, um “Buda Beatnik” – “beat”, de beatificado. Sendo os dois, podemos voltar a ser um. Carne e espírito, marcando um encontro à luz do luar.
Beijos, abraços e um filhote de Homem nasce. Transitamos entre o bem e o mal, entre a iluminação e o pagamento do IPTU, entre a vontade de transcender e o desejo de enriquecer. A alma e o corpo clamam por uma re-união, separados que estão, há tanto tempo, por melancólicas e equivocadas trilhas socioculturais.
Como ser matéria e, ainda assim, preservar a nossa qualidade divina?
Como usar um dos instrumentos mais poluidores que existem: a prancha de poliuretano e fibra de vidro e, ao mesmo tempo, buscar a transcendência espiritual que o surf provê com sua água salgada benta?
Somos paradoxos ambulantes e surfantes.
A própria onda, segundo a escritora Susan Casey:
"É um paradoxo. É objeto e movimento"
O surf não é um livro sagrado, documentado, mas é uma experiência visceral e vivencial que dá umas dicas. A simples prática do surf relativiza esse conflito intrínseco. A união com o divino – yoga – se materializa no ato de surfar.
Na tentativa de se apegarem a efêmeros – a impermanência é um dos conceitos-raiz não só do Hinduísmo como também do seu querido e famoso filhote, o Budismo - símbolos de poder, as castas “superiores”, na Índia antiga, foram discriminando os sudras / dalits, os “intocáveis”.
Arrastaram esse conceito, como um maligno mouse histórico, até hoje.
“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”- John Emerich Edward Dalberg-Acton, primeiro Barão Acton
A antiga máxima do historiador inglês do século XIX (1834 – 1902), Lord Acton, foi mais uma vez confirmada.
Não é o nosso caso. O maior poder do surf consiste em não exercê-lo – a espada do samurai na bainha. O poder se esvai e se perde na violência. Não há poder a ser exercido sobre o outro. A coisa é contigo.
Meu amigo Makoto, um dos melhores alpinistas do mundo, tinha por hábito escalar algumas das montanhas tecnicamente mais complicadas, e, quando, depois de meses de preparação e treino, havia conseguido escalá-la e estava muito próximo do cume, apenas o admirava, olhava para o seu objetivo material, dava as costas e voltava.
O que dizer de tal atitude?
O desafio era enfrentar o maior adversário, o seu próprio ego, a ilusão da vitória – necessariamente efêmera?
Quando vem a série não dá para delegar, não dá para fingir que não é com você, não dá para não ser o real protagonista da sua existência. A metáfora não existe.
E dizer que o surf é hype é um eufemismo vulgar. O relato desse fenômeno aqui contradiz isso, claro. Mas quem somos nós sem nossas contradições?
Niente. Elas nos definem.
Sorry, ou melhor, no sorry. Porque como diz o meu amigo e mestre iogue Cristóvão:
"Pedir desculpas não serve para nada, é só uma autorização para fazer outra vez"
O que deveria ser dito é não vou mais fazer isso.
Não é o meu caso: eu vou fazer outra vez.
Sidão Tenucci é escritor e surfista há 42 anos, viajou por 50 países e quer mais. É diretor de marketing da Ocean Pacific (OP). Autor dos livros Almaquatica ( Fnac ) e O Surfista Peregrino ( Livraria Cultura ). Se compraz em desagradar gregos quando é excessivamente documental, e troianos, quando é simplesmente vago (de "vaga", onda).
Comentários
Postar um comentário