O inspirado Mestre Ary Dias e a Festa dos Sonhos

A primeira experiência de Ary Dias como professor foi aos 17 anos. Começou orientando um garoto de 7 anos no uso das baquetas. Era o hoje conhecido compositor e baterista baiano Uvan Huol.
Esse dom de ensinar, portanto, ele tem desde menino. Mas naquele tempo de artista em ascensão, Ary queria mais era o palco. E foram muitos os palcos por onde apresentou seu talento, seja como integrante da Banda do Companheiro Mágico ou da Orquestra Sinfônica da Bahia, passando pelos Novos Baianos, A Cor do Som ou dividindo espaço com dezenas de artistas nacionais e estrangeiros, atualmente ele é professor quase em tempo integral.
Há cerca de dez anos está no Centro Musical Antônio Adolfo, conceituada escola de música no Leblon, também na Casa de Artes do Terreirão – CAT – no Recreio e, desde Junho no projeto Batucadas Brasileiras, onde dá aulas de percussão dos ritmos nordestinos e outros populares brasileiros.
Sobre os ritmos que ensina no Batucadas, Ary comenta que no inicio muitos alunos apresentaram alguma resistência, pois eles chegam quase sempre pensando exclusivamente em samba. o jeito manso e carismático do professor, entretanto, logo mudou a visão dos garotos, que passaram a entender que o Batucadas Brasileiras abrange um universo muito mais extenso.
Apaixonado pelo que faz, Ary confessa que se transforma dentro da sala de aula:

Me envolvo mesmo, me dedico inteiro. Dois dias antes já estou preparando a aula, faço o melhor possível, gosto que eles aprendam. Gratificante, diz ele, é perceber o jovem com sede de saber, de querer se tornar um profissional e viver de música. É o melhor retorno que um professor pode ter.
Ary Dias - percussionista e orientador musical 2

Mas mesmo para os que não pretendem a profissionalização, o ensino da música é fundamental para, segundo Ary Dias, abrir novos horizontes, aguçar a sensibilidade criativa em outras áreas da educação. Por isso é que o músico aprovou 100% a lei que instituiu a obrigatoriedade do ensino da música nas escolas públicas e particulares do país, a partir de 2012.
Ele acredita que permitir o acesso dos alunos a atividades que complementem sua formação é iniciativa de sucesso:

Tenho certeza de que os jovens aprenderão com mais alegria e não terão desculpas para deixar de ir à escola.

Ary  sabe muito bem do que está falando.
Há cinco anos iniciou dentro da própria casa uma escola de percussão para as crianças de uma comunidade carente próxima.

As 7 horas da manhã já tinha menino gritando no portão – Tio Ary vamos começar!

E a escola do Tio Ary cresceu e precisou de uma estrutura mais adequada. Foi quando o músico recebeu o convite para se transferir com sua turma para a Casa de Artes do Terreirão, que oferece atividades culturais variadas e cursos de capacitação profissional.
Os meninos que se destacam lá no CAT foram trazidos por Ary Dias para o projeto Batucadas Brasileiras, onde eles aprendem a ler partituras, a tocar diversos instrumentos e a conhecer a história  da música e do Rio de Janeiro. Por isso o professor Ary enfatiza a importância do ensino formal:

Eu comecei com meu pai tirando som do armário mas depois fui para a escola. Ela dá o discernimento, a compreensão, dá uma percepção geral, uma conscientização social.

Também como professor, Ary participa do Festival de Ibiapaba, em Viçosa, Ceará, que acontece em Junho. Este ano pela segunda vez, foi convidado pelo governo daquele estado para ensinar percussão e leitura rítmica durantes os dez dias do festival:

É um trabalho intenso, com aulas pela manhã e a tarde, com cerca de 100 alunos em cada turno. A pequena cidade fundada por Jesuítas em 1655 respira música durante aqueles dias. É um prazer poder estar lá.

Ary Dias também realiza oficinas de percussão em São Paulo, Porto Alegre e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Nesta última, o músico leva um pouco de swing para misturar o popular com o erudito. Essa mistura para ele é primordial, que entende que a música é uma só:

Num tem esse negócio de popular e clássico. A ópera era a música popular de sua época que acabou se sofisticando. Com um mesmo acorde eu posso criar uma peça popular ou erudita. Villa Lobos já fazia essa mistura com toda maestria.

Outra experiência na arte de ensinar Ary desenvolveu por uns 4 anos em Paris. A convite de uma amiga baiana que reside na capital francesa, enquanto ele participava da festa anual tradicional que incluía as lavagens promovidas pelos baianos, aproveitava para faturar alguns Euros dando aulas para os parisienses apaixonados pelos nossos ritmos:

A linguagem universal da música – lembra Ary – dissipava qualquer dificuldade de comunicação.

Tem uns três anos que Ary Dias não aparece na capital da luz, mas se tiver tempo, não descarta convite para ensinar sua arte, sempre com alegria. Disso o Mestre Ary Dias não abre mão:

Eu não saio de casa para fazer música e ficar chateado. Música é para levantar. Minhas aulas sempre terminam no maior astral. Na maior festa.
Ary Dias - percussionista e orientador musical
<<

Nota do blogueiro >>
Disso eu tenho certeza e assino embaixo. Com o mestre aprendemos, antes de qualquer coisa, a sorrir e se dedicar ao máximo para fazer a alegria contagiar o ambiente e as pessoas.
Prova disso pude conferir na última apresentação dos Batucadas na festa intitulada “Festa dos Sonhos”.
batucadas brasileiras
Com um time de botar muito profissional no chinelo, sem falsa modéstia, a festa foi incrível mesmo com alguns atrasos técnicos, teve vários momentos inesquecíveis, o Batucadas Brasileiras reuniu um lote de grandes talentos da nossa música na sede do Bola Preta para a realização da Festa dos Sonhos.

Pelo palco do Bola passaram, entre outros, Moacyr Luz, Pepeu Gomes, Wagner Tiso, Roberto Mendes, Arthur Maia e Cláudio Andrade. Aleh Ferreira mostrou muito groove e fôlego interpretando as canções de gerações do samba, swing e malandragem em suas composições e fez um passeio pela mistura Rio-Bahia, acompanhado por uma cozinha potente de ritmistas engajados e um coral feminino harmonioso, um verdadeiro significado de cultura brasileira. Também estavam à frente do Batucadas Brasileiras o percussionista Ary Dias, o Mestre de Bateria de Sambas Enredo Odilon Costa. Acompanham a banda o baixista Arthur Maia e o pianista Cláudio Andrade.

No repertório, oito músicas inéditas do compositor Moacyr Luz e do poeta Luiz Galvão, compostas especialmente para o novo repertório do Batucadas. Batizada de FESTA DOS ‘SONHOS’ o show foi uma homenagem ao poeta Luiz Galvão e uma comemoração pela Cultura da Paz, que teve as suas raízes plantadas pela Geração Beat dos anos 60, contrária à militarização do Planeta.

Projetadas imagens de artistas e pensadores que influenciaram a formação do Movimento Beat, e por uma Cultura da Paz e ao fundo músicas que também representam essa cultura e essa geração.
“John Lennon, Yoko Ono, Bob Dylan, Joan Baez, Bob Marley, Jimmy Cliff, os Tropicalistas e nós, os Novos Baianos, fomos os cidadãos desse universo pacífico chamado Sonho” – comenta Galvão.

Que outra ‘gig’ poderia proporcionar momentos inusitados como a mistura de samba baiano com maracatu em levadas que soavam como os da ‘Nação Zumbi’ do saudoso Chico Science, sem parecer cópia mas reinventando a originalidade do movimento manguetown Recife?

O Projeto Batucadas Brasileiras tem por objetivo a capacitação artística de 120 jovens de famílias de baixa renda da Zona Portuária do Rio, são estudantes de escolas públicas com idades entre 14 e 25 anos, que aprendem com o melhor da nata musical, a arte musical das ruas inspiradas com mestres como o “Tio Ary”.
Demostraram o que significa, no palco, a diversidade criativa do encontro de bambas na melhor esquina do mundo desta noite, no encontro da Rua da Relação com a Rua do Lavradio, na Lapa do Rio de Janeiro.
E que me perdoe os tropicalistas, mas aqui nós temos o único samba-maracutado-de-breque-swingado.

batucadas brasileiras  (2)

Comentários

Postagens mais visitadas