Neocolonialismo em sua versão 2.0

Neocolonialismo versão 2.0

O Panorama latino-americano

Podemos até nos recordar dos vizinhos mais próximos, mas se ampliarmos a nossa visão sobre essa vastíssima região teremos melhores condições para participar do debate. Os países da América Latina são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

História de perdas e subdesenvolvimento ditada pela economia

A América Latina especializou-se em perder desde os tempos em que os europeus se arriscaram pelo mar para enterrar os dentes em sua garganta. Desde o descobrimento até os nossos dias, tudo se transformou em capital europeu e, mais tarde, norte-americano, e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos.

A história do subdesenvolvimento da AL é a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia. Nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros, os impérios e seus agentes nativos. Do mesmo modo, o bem-estar de nossas classes dominantes é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de burros de carga. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar foram sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. Cada função é sempre atribuída aos cidadãos em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita...

Após décadas e décadas de saques e usurpação da América Latina pelos europeus e em seguida pelos norte-americanos, será entre as décadas de 1950 e 1970 que observaremos eventos que configuraram a situação que nos é familiar até os dias atuais. Os regimes militares do Brasil, da Argentina e do México, os três grandes, tentavam os capitais estrangeiros, oferecendo-lhes seus países como se fossem cafetões oferecendo suas mulheres.


Um suplemento especial do New York Times, de 19 de janeiro de 1969; dizia:

O tratamento aos estrangeiros no Brasil é dos mais liberais do mundo (...) não há restrições de nacionalidade dos acionistas... não existe limite à porcentagem de capital registrado, que pode ser remetido como lucro (...), não há limitações à repatriação de capital, e a reinversão dos lucros será considerada um incremento do capital original (NEW YORK TIMES apud GALEANO, 2002).


Fundo Monetário Internacional: os deuses nos abandonaram?

Nascido nos Estados Unidos, com sede nos Estados Unidos e a serviço dos Estados Unidos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) proporciona empréstimos ou dá sinal verde para que outros os proporcionem. O Fundo foi criado nos fins da Segunda Guerra Mundial, para institucionalizar o predomínio financeiro de Wall Street sobre o planeta inteiro, quando o dólar inaugurou sua hegemonia como moeda internacional. As dívidas, multiplicadas pelas desvalorizações monetárias que obrigam empresas locais a pagar mais moeda nacional por seus compromissos em dólares, converteram-se, assim, numa cilada mortal.
Desde fins da década de 1950, a recessão econômica, a instabilidade monetária, a seca de crédito e a derrubada do poder aquisitivo do mercado interno contribuíram para revirar a indústria e pô-la aos pés das corporações estrangeiras. Sob o pretexto da estabilização, o FMI impôs à América Latina uma política que aguça os desequilíbrios em vez de aliviá-los. Liberaliza o comércio, proibindo câmbios múltiplos, obriga a contrair créditos internos até a asfixia, congela salários e desalenta a atividade estatal. Você deve estar reconhecendo isso tudo, não está? Suas fórmulas não só fracassaram na estabilização e no desenvolvimento, mas também intensificaram o estrangulamento externo dos países, aumentaram a miséria das grandes massas e turbinou as tensões sociais, precipitando a desnacionalização econômica e financeira, ao influxo dos sagrados mandamentos da liberdade de comércio, liberdade de concorrência e liberdade de movimento dos capitais. Os Estados Unidos, que empregam um vasto sistema protecionista – taxas, cotas, subsídios internos – jamais mereceram a menor observação do FMI. Em compensação, com a América Latina o Fundo sempre foi inflexível: é para isso que existe. O capitalista local se converte em sócio menor ou funcionário de seus vencedores. Ou então, tira a sorte grande: cobra o resgate de seus bens em ações da matriz estrangeira e termina seus dias vivendo de renda, no mais absoluto luxo.

A canalização dos recursos nacionais em direção às filiais imperialistas se explica também pela proliferação dos bancos norte-americanos na América Latina. Você se lembra quantas sucursais desses bancos foram estabelecidas em nossos países? Atualmente, é menos perceptível, porque houve uma dramática deterioração do dólar como moeda do mundo, mas quem não se lembra das agências do Chase Manhattan Bank, do City e do Bank of America?

Toda essa invasão bancária servia para desviar a poupança latino-americana para as empresas norte americanas que operavam na região, enquanto as empresas nacionais eram estranguladas pela falta de crédito. Será que o inverso seria permitido: um banco brasileiro, argentino, mexicano ou mesmo cubano se instalar em Nova York, para captar a poupança nacional dos Estados Unidos? Aí a coisa muda de figura. É expressamente proibido, nos Estados Unidos, que um banco estrangeiro receba depósitos de cidadãos norte-americanos.

Imperialista

É a definição da política de expansão e domínio territorial, cultural e econômico de uma nação sobre outras, ou sobre uma ou várias regiões geográficas.
O imperialismo contemporâneo pode ser também denominado como neocolonialismo, por possuir muitas semelhanças com o colonialismo, regime vigorado entre os séculos XV e XIX.

Os excluídos

Frutos de uma herança histórica desfavorável, a desigualdade e a exclusão social são dos mais permanentes problemas enfrentados pelas autoridades públicas na América Latina, porque contribuem para retardar o crescimento, para a presença de níveis importantes de pobreza e simultânea ausência de progresso político e social.

Em 2008, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicou um relatório intitulado “Deixados de fora?” que chama atenção para a exclusão social como um processo mutável e dinâmico. Hoje, mesmo reconhecendo o peso da história nesta realidade desafiadora, já se comenta a exclusão não apenas como consequência de políticas econômicas disfuncionais, mas como um fenômeno periférico, que crescimento e modernização sozinhos não são capazes de eliminar. As mudanças nos padrões da exclusão e da inclusão na região são partes das profundas transformações sociais, culturais, econômicas e políticas que a democratização, a estabilização econômica e a integração com a economia mundial trouxeram para as sociedades da América Latina. Grande parte do debate a respeito das políticas econômicas e sociais necessárias para a consecução de crescimento sustentável e equitativo gira em torno de como superar a exclusão e obter maior inclusão social. Alcançar maior inclusão social exige não só corrigir injustiças passadas, com transferências de recursos e ação afirmativa, como também — e isso é o mais importante — mudar a maneira como as decisões são tomadas, os recursos são alocados e as políticas são executadas.

O conceito de coesão social não tem um sentido único.

A reflexão crítica opõe a ideia de coesão à corrosão da legitimidade e governabilidade dos Estados nacionais, ao aprofundamento das lacunas sociais e à tendência de individualização e de enfraquecimento do que é público.
A coesão social vincula os mecanismos de integração e bem-estar ao pleno pertencimento social dos indivíduos. Inclusão e pertencimento ou igualdade e pertencimento são os eixos sobre os quais a noção de coesão social tem evoluído em sociedades ordenadas sob a égide do Estado de bem-estar.
Refere-se, portanto à eficácia dos mecanismos instituídos de inclusão social como aos comportamentos e apreciações da parte dos sujeitos que compõem a sociedade. Esses mecanismos incluem o emprego, os sistemas educacionais, a titularidade de direitos e as políticas que fomentam a equidade, o bem-estar e a proteção social. Já esses comportamentos por parte dos indivíduos da sociedade abrangem a confiança nas instituições, o capital social, o sentido de pertencimento e solidariedade, a aceitação de normas de convivência e a disposição para participar de espaços de deliberação e de projetos coletivos.
O sentido de pertencimento à sociedade constitui um eixo fundamental das diversas definições de coesão social. Porém, ao mesmo tempo pode acontecer coesão no nível da comunidade e desestruturação no nível da sociedade.

Um caso que ilustra essa situação nos países da América Latina é o de sociedades nacionais integradas por um elevado percentual de população indígena e, principalmente, por minorias que são definidas como povos. No caso desses povos, há muita coesão internamente porque os vínculos que relacionam os indivíduos com a comunidade são fortes e os valores que regem a vida coletiva são amplamente aceitos pelos seus membros.

Mas, em uma perspectiva mais ampla, essas mesmas sociedades são fragmentadas pelas lacunas socioeconômicas e culturais entre grupos marcados por diferenças étnicas e raciais. Dá-se assim a convivência sem diluição de um alto grau de coesão social em grupos que têm um forte sentido de autorreferência e conflitos de coesão social que os separam do resto da sociedade.
E este não é o único caso. Atualmente, o desenvolvimento intensivo da indústria cultural faz com que muitos grupos, sobretudo de jovens, se convertam em verdadeiras “tribos urbanas” dotadas de um sentido de pertencimento interno muito forte, com códigos linguísticos e estéticos próprios, embora se mantenham refratárias aos que não fazem parte do grupo. A diversificação dos consumos culturais segmenta a sociedade em seu conjunto, mas intensifica os vínculos dentro de certos grupos.





“Rumo a 2016: que cidade vamos remodelar? Para quem?


A realização das Olimpíadas no Brasil, no sul do planeta, tem um significado geopolítico que não podemos ignorar. Mas conseguiremos, em face dos inadiáveis desafios para construir o Rio de Janeiro, romper com a lógica de desenvolvimento que reproduz uma cidade partida, de exclusão e segregação social? Conseguiremos superar a fratura socioterritorial, que faz com que uma parte dos cariocas sejam “cidadãos de primeira classe” e a maioria, “de segunda”?

Acabaremos, como em quase todas as cidades que receberam os grandes eventos, com uma bela infraestrutura esportiva que pouco ou nada serve para a própria cidade, com uma enorme dívida pública, com novas frentes de especulação imobiliária e disputa territorial entre ricos e pobres?
Podemos admitir que as Olimpíadas sejam meramente uma oportunidade de negócios fáceis para os de sempre?

Não há uma só resposta para estas questões.
Se tudo isso parece abstrato para você, algumas evidências nos levam ainda para outras perguntas, além de respostas. A cidade será preparada só para os jogos e seus participantes? Ou para quem vive aqui?

Devemos apresentar uma cidade capaz de enfrentar suas mazelas, a segregação, a negação dos direitos básicos. Você já observou a “obsessão” pela Barra da Tijuca? Por quê? Por que, apressadamente, vota-se na Câmara Municipal um novo padrão de ocupação daquele território e das imensas várzeas que o embelezam? Que sentido há em ficar longe da verdadeira cidade, seu centro, seu porto, seu Maracanã, mais próximo da imensa zona norte? Por que não aproveitamos o dinheiro público previsto para integrarmos todas, absolutamente todas as favelas, reconhecendo que favela é também cidade?


Por que gastar uma fortuna de recursos públicos (e depois passar para a iniciativa privada) na construção de uma extensão do metrô que liga a rica área de Ipanema à ainda mais rica área da Barra, em vez de investir nos trens, que poderiam melhorar a vida da população da zona norte? Viu? Mais perguntas do que respostas. Os projetos sequer mencionam as “áreas periféricas” da cidade.

O risco é, mais uma vez, as mudanças serem apresentadas como o bom e o possível. Mas, isso seria uma derrota da cidadania.Não basta mitigar o impacto. Precisamos, como cidadãos e cidadãs, pressionar por outro desfecho de uma história que pode, sim, ser marcante e bem-sucedida para o conjunto amplo da sociedade carioca. Basta agirmos unidos.

Para estarmos de bem conosco, compartindo responsavelmente um maravilhoso território, recebendo esportistas e o mundo de braços abertos, sem vergonha de nossa cultura e de nosso modo de ser, de nossas praias, parques, monumentos, de nossos morros coloridos pelas favelas, de nosso jeito de construir e conviver com a mata e o mar, de nosso samba e feijoada, precisamos juntar forças.
Temos capacidade para isso, mas precisamos criar um movimento irresistível que tome conta da cidade, que nos tire dos compartimentos e guetos em que nos refugiamos.




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