Surf no cinema – inicio do surf no Rio de Janeiro – parte III

O surfe no cinema

De fato, vários filmes que tinham como cenário a praia, tendo o surfe como destaque, foram realizados na primeira metade da década de 60. Segundo BOOTH (2001, p.93), “as histórias de praia de Hollywood eram aventuras musicais e ajudaram a popularizar um estilo específico, a surf music”. Música e cinema, tendo o surfe como tema, estavam associados e geraram grandes sucessos comerciais.
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A articulação mídia-surfe, obviamente, trouxe para o esporte as idéias de lucro e exploração comercial, via mercado de entretenimento. Isso incomodou uma parte dos praticantes, desencadeando tensões na configuração do campo em construção. Muitos surfistas reclamavam da imagem pasteurizada divulgada por Hollywood e passaram a realizar suas próprias produções: inicialmente com características mais artesanais, logo se tornaram mais “profissionais”, inclusive por ser uma possibilidade de trabalho para os que desejavam se dedicar integralmente ao esporte. Estabeleceram-se, assim, dois tipos de filmes de surfe: os hollywoodianos (cujo foco era a “vida praiana”) e os especializados (centrados na “camaradagem” do surfari, imagens de ondas grandes e perfeitas, valorização de locais exóticos e “secretos” e dos elementos mais intrínsecos à prática, como o “design” das pranchas e a excelência das manobras).
Vejamos como, nesse sentido, o cinema se transformou não só em um importante fator de divulgação como também em um dos espaços em que se travavam disputas pelas representações em torno do esporte, cujos valores eram bastante distintos:

Diferentemente do gênero hollywoodiano que retratava o surfe como um passatempo conformista, os homens e mulheres jovens nos filmes de surfe especializados, que desciam ondas e viajavam incessantemente, e que nunca trabalhavam ou se preocupavam, carregavam a mensagem potencialmente subversiva de que surfistas eram menos previsíveis, menos confiáveis e não tão prontos a se conformar (BOOTH, 2001, p.95).
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Os filmes especializados eram, assim, um canal para a divulgação da rebeldia e inconformismo característicos da cultura do surfe na Califórnia. As películas, exibidas fora dos grandes circuitos, eram recebidas com avidez pelos interessados: “ao fim da década, entusiastas e fãs se reuniam em clubes privados e salões públicos para assistir a filmes especializados” (BOOTH, 2001, p.94). As audiências eram significativamente menores do que as dos longas hollywoodianos, pelo menos até o momento em que a própria idéia de rebeldia, em sentidos diversos, de alguma forma foi apreendida pelas películas do “mainstream”.

Assim, os meios de comunicação exerceram papel central na expansão da visão hedonista do surfe para além da Califórnia, atingindo um público juvenil de diversos países e contribuindo para configurar estilos de vida. Devemos lembrar que a essa altura a cultura de massa já fornecia os “modelos dominantes” de referência aos adolescentes – ocupando o lugar que era anteriormente da família e da escola (MORIN, 1997, p.157). Cinema, revistas, rádio, televisão (e futuramente a internet) integraram- se, cabendo à produção audiovisual sempre um lugar de destaque.
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No Brasil

Segundo BUENO (2005) e DIAS (2008),esse processo começa a se delinear já nos anos 60, mas é mesmo no fim dos anos 70 que se torna mais claro, antecipando o “boom” dos anos 80. Esse é um momento marcado pela transição da ditadura para a democracia. Se por um lado eram perceptíveis importantes avanços, como a reestruturação do movimento estudantil e operário, a revogação do AI- 5 e a anistia e o retorno dos exilados, por outro os centros de tortura e os serviços de espionagem ainda não haviam sido desativados, as produções artísticas ainda estavam submetidas à censura e setores contrários à abertura jogavam suas fichas em atividades conspiratórias para forjar a necessidade de se manter a estrutura de repressão funcionando a pleno vapor.
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Ventos de liberdade começavam a soprar, mas nuvens negras ainda pairavam sobre os céus brasileiros: a produção cultural certamente expressava essas tensões. No que diz respeito ao surfe, a estruturação e organização das competições e do profissionalismo ainda davam os primeiros passos: os campeonatos ainda eram esporádicos (ainda que torneios como os de Saquarema e do Arpoador já fossem reconhecidos) e a maior parte dos surfistas era amador; poucos contavam com patrocínios. 141536_CampeonatoRemadasem1966_thumb
O crescimento do número de praticantes, contudo, já era flagrante, algo claro inclusive na fundação de diversas associações locais e estaduais, que buscavam organizar os atletas e melhor promover os circuitos.140126_567x415_thumb
A produção midiática sobre o surfe dá um salto no Brasil, um retrato do crescimento do interesse do público e do fato de que a juventude passava a ser cada vez mais um alvo do mercado e dos meios de comunicação, algo que certamente também está articulado com o clima de esperança e jovialidade que o fim da ditadura começa a propiciar. Além de nos já citados filmes, o esporte se faz presente em revistas, na rádio, na televisão.


Me lembro de três grandes explosões. A ditadura chegando ao fim, o rock nacional pipocando com os Titãs, Blitz, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Kid Abelha, Capital Inicial, Ultraje a Rigor e o surf brasileiro explodindo pela segunda vez (depois de 76, 77 e 78).
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Na televisão, em 1980, a novela Água Viva, de Gilberto Braga, exibida pela Rede Globo, trouxera a cultura de praia para o horário nobre, causando polêmicas pelas referências ao “topless” (uma nova moda nas areias cariocas) e à maconha. Na abertura, velas de windsurfe “bailavam” ao som da música Menino do Rio, de Caetano Veloso, na voz de Baby Consuelo: “o Havaí, seja aqui”. Em 1983, Realce, o primeiro programa de esportes de ação da televisão brasileira, estréia na Rede Record do Rio de Janeiro, presentado por dois surfistas: Ricardo Bocão e Antônio Ricardo.realce_logo_thumbarmacao_thumb
Os filmes de surfe chamaram a atenção para a temática e inspiraram uma narrativa que se materializou no seriado Armação ilimitada (1985- 1988), uma referência na história recente da televisão brasileira. visualrealce_thumb3
O coordenador artístico e um dos roteiristas era Antônio Calmon, contratado pela Rede Globo “por saber falar ao público jovem”, diretor de três das quatro películas nas quais o surfe ocupou, no período, importante espaço: 140142_311x415PiueRafaelGonzalez_thu
Um dos personagens centrais era interpretado por André de Biase, o mesmo protagonista daqueles filmes.
O seriado caracterizava-se pela “inovação na linguagem” e “infinidade de referências à cultura pop”, entre as quais “desenhos animados, cinema, programas de televisão, gibis, rock, surf, etc.” (RAMOS, 1995, p.77).140134_589x415GeraldoDalePiuMarceloR[1]
Para MIRA (2001), foi o produto midiático que colocou definitivamente o surfe na moda no país. Para a consolidação dessas iniciativas, passou a ser necessário não apenas a formação de um público cativo, mas também atrair anunciantes que custeassem a produção. No caso das revistas, por exemplo, o preço de venda mal cobria os custos de impressão e distribuição. A Fluir, para viabilizar-se em seus primeiros momentos, cobria vários esportes (surfe, vôo livre, bicicross e skate) e tinha periodicidade bimestral. Após algumas edições, o crescimento do número de propagandas específicas de surfe (fabricantes de roupas, equipamentos e acessórios) é decisivo para a publicação excluir os demais esportes e se tornar mensal. A juventude, mesmo a que não praticava o surfe e vivia longe das praias, usava roupas e acessórios de marcas como Píer, Company, Rico, K & K, originais, compradas nas lojas, ou adquiridas nos camelôs, que proliferaram pela cidade. Como bem identifica BUENO (2005, p.77):

Uma das mudanças mais significativas no tocante à produção cultural juvenil nos anos 80, em relação às décadas anteriores, foi a sua abrangência. Se nos anos 50 e 60 essa produção concentrou-se entre os jovens da classe média urbana, a partir dos anos 70 os setores operários tiveram acesso mais direto às experiências e produtos juvenis. Isso ocorreu graças à incorporação dos jovens de baixa renda ao mercado de trabalho formal, possibilitando as transformações dos padrões de consumo. Essa produção midiática, portanto, ao mesmo tempo em que divulgava o surfe e seu estilo de vida, é, em si, uma prova da consolidação de um mercado em torno deste esporte no Brasil, bem como da construção de novas referências simbólicas em nossa sociedade, onde se destaca a juventude como referência.

140133_458x415FernandaGuerra_thumb140144_552x415PIU_thumb2Os filmes que analisaremos certamente nos apresentarão mais dados sobre esses aspectos.
Nas ondas do surf - a Fluir - a revista brasileira mais vendida e longeva dedicada ao esporte, é criada em 1983, dando seqüência e aperfeiçoando algumas experiências anteriores, como a da pioneira Brasil Surf, criada em 1975. Em 1986 já havia no país oito publicações tendo o surfe como assunto central (MIRA, 2001). Emissoras de rádio, como a Maldita Fluminense FM - de Niterói, criada em 1982, voltada para o público jovem que ouvia “rock” - tiveram participação importante na divulgação dos campeonatos de surfe (MELLO, 1992).





Era uma rádio de vanguarda Rock que não tinha barreiras ou sensura para tocar música nova, underground, ou qualquer pré-requisito de qualidade, se era Rock and Roll a fluminense fm tocava. Mais ou menos o que ouvimos hoje na KissFM de SP.



A fala de Ricardo BOCÃO, por ocasião da comemoração de 20 anos da Fluir, reforça a idéia de havia uma articulação entre distintos elementos naqueles primeiros anos dos anos 80:

Se considerarmos que Nas ondas do surf (Lívio Bruno Junior, 1978) é o único documentário entre os quatro filmes por nós analisados, poderíamos a princípio pensar que trata-se de uma produção absolutamente distinta das demais. Certamente é a que mais apropriadamente pode ser chamada de filme de surfe, próxima das características do tipo de película alternativa. Na verdade, ao tentar captar o clima “O surfe no cinema”. Dois meses depois, o pessoal da revista Brasil Surf e os principais surfistas cariocas da época foram ver o material bruto numa das melhores salas de cinema da cidade, o Bruni Ipanema. Sentei na fileira onde estava o Lívio e quando as luzes se acenderam, ele perguntou se eu havia gostado e se aquilo não daria um filme. Ele já tinha até um nome - “Brasil no Surf ”. Eu respondi que o material estava alucinante, mas ponderei que um assunto só (o campeonato) não seguraria um longa metragem e deixaria o filme maçante. E que um filme de surf tinha que ter o Hawaii


Assim, deslocou-se uma equipe de produção para o Havaí, para captar cenas dos brasileiros em ação e de um campeonato, no qual participavam alguns dos grandes surfistas mundiais da época (Mark Richards, Shaun Tomson, Michael Ho, Gerry Lopez, Ian Cairns e Peter Townend, entre outros). Quanto às filmagens no Havaí, BOCÃO (2005) afirma que o esquema pouco profissional ocasionou diversos problemas: existente ao redor do esporte que se estruturava, o longa exibe uma série de representações que futuramente serão incorporadas nos filmes de ficção nos quais o surfe ocupa espaço importante (mais próximos do tipo “hollywoodiano”). Este é, aliás, o aspecto mais significativo de “Nas ondas do surf ”: difundir pioneiramente um estilo de vida que estava em construção, já delineando elementos- chave que sempre serão ressaltados ao redor dessa prática esportiva: a vida na natureza, o desejo de correr risco, o prazer de viajar, a beleza das praias e dos novos corpos “dourados”.140148_552x415_thumb


Da mesma forma, o filme já traça um perfil do surfista como personagem controvertido, que tem problemas com a polícia e/ou com aqueles que não o compreendem em suas opções de vida, equivocadamente considerado por uns um desviante, por outros, um alienado. Na tentativa de desfazer essa visão, ao mesmo tempo a película demonstrava que existe um grande cadeia econômica sendo gestada ao redor da prática: a mensagem é que há “coisas sérias” por trás dessa aparente brincadeira.
O longa dialoga tanto com o contexto brasileiro, especificamente com o primeiro grande fluxo de desenvolvimento do esporte, quanto com as experiências documentais de filmes norte-americanos, que passaram na época a ser mais exibidos no Brasil, em circuito alternativo, normalmente procurado pelos já iniciados. A narrativa é muito semelhante às mais famosas fitas de surfe do momento: muitas cenas de atletas “pegando onda”, espontaneamente ou em algum campeonato (no caso de Nas ondas do surf, a etapa do Primeiro Circuito Mundial, realizada na Praia do Arpoador, e o Festival Nacional de Saquarema, organizado na Praia de Itaúna, ambos em 1976);
Música instrumental de fundo (a trilha esteve sob a responsabilidade do grupo A Cor do Som, que à época buscava uma sonoridade alternativa e que futuramente também embarcaria na onda pop);
A exibição de imagens que buscam a valorização da integração homem-natureza e da sensação de emoção. 140138_564x415_thumb
Essas opções estéticas serão futuramente reproduzidas e muito comuns também nos programas de televisão. As informações técnicas apresentadas, narradas por Sérgio Chapelin a partir de texto bastante didático de Alberto Pecegueiro, à época editor da pioneira Brasil Surf, reforçam a impressão de que a película intentava mesmo praticamente dar uma aula de surfe para o grande público. O filme traz também algumas breves entrevistas com alguns dos principais surfistas da época (Ricardo Bocão, Otávio Pacheco, Daniel Friedman e Pepê), apresentados como indivíduos antenados com a natureza, amantes de um estilo de vida simples e despojado do aparato tecnológico da cidade.
Vemos ainda cenas de skate e de vôo livre, apresentados como esportes desdobramentos do surfe. 140135_267x415Maraca_thumb
Lívio Bruni Junior, filho de um conhecido dono de cadeia de cinemas, já envolvido com outras produções cinematográficas, e Rossini Maranhão, o Maraca, um dos pioneiros do surfe carioca e um dos primeiros a ter surfado no Havaí, realizam, assim, um documentário que é resultado tanto de uma visão comercial quanto do desejo de contribuir para a difusão do esporte. O filme apresenta claras deficiências do ponto de vista técnico e narrativo. De qualquer forma, esse aspecto “primitivo” tem grande relação com o próprio momento de desenvolvimento do surfe no Brasil. O depoimento de Ricardo BOCÃO (2005) nos permite saber mais sobre os bastidores das filmagens.141523_622x415_thumb1
Inicialmente, comenta a exibição das primeiras cenas, captadas no Rio de Janeiro:

No começo, o objetivo de fazer parte do filme surfando altas ondas era a única coisa que importava para todos. Depois de um mês, a convivência quase diária com pessoas bem diferentes entre si começou a cobrar a fatura, e o preço foi ficando um pouco mais alto. (...) Eu pensei: “Já estou nessa função há quase três meses e não ganhei nada por esse trabalho. Me comprometi na empolgação do momento e agora vou até o fim, mas quando acabar o último rolo, vou me mandar para as outras ilhas do arquipélago sozinho, sem falar nada para ninguém


Parece curioso que essa fala venha de um dos pioneiros da presença do surfe na televisão brasileira, mas o esporte naquele momento ainda não se configurara plenamente como opção profissional: o romantismo não era só um discurso, mas uma concreta alternativa de vida. O próprio BOCÃO (2004)lembra de como fora morar em Saquarema, conhecida como o “Maracanã do surfe”:140130_622x411CalhambequedoPenho_thu

Liguei para o Betão, meu grande amigo na época e falei: “Vamos morar em Saquarema, fazer uma oficina de pranchas e pegar altas ondas”. Financeiramente, não havia muita pressão. Cobrávamos 1 800 cruzeiros, numa prancha. O aluguel da pequena casa onde morávamos, no canto esquerdo de Itaúna, custava 500 cruzeiros. O da nossa oficina, no canto direito (Lagoinha), outros 500 cruzeiros. E trabalhando, éramos apenas três - os dois donos e uma terceira pessoa. Comida? Muito barata. Gasolina? Nos deslocávamos só de bicicleta para ir do canto esquerdo para o canto direito da praia e às vezes para a cidade. E a margem de lucro? Pode parecer exagero, mas era de 100%. Ou seja, só precisávamos de duas encomendas por mês para a nossa sobrevivência. Uma prancha pagava o material das duas e a outra pagava os nossos custos pessoais e os da oficina. Vivíamos de maneira simples, com boa alimentação, muita fogueira e violão e quase nenhum gasto. Na verdade, o surfista repetira uma experiência que já tivera quando vivera no Havaí, sempre a busca das melhores ondas: Eu cobrava 65 dólares para laminar uma prancha até 8 pés. Pagava 10 para o lixador e uns 5 por uma quilha de madeira com fibra de vidro


Como esse tipo de vinculação, não surpreende a sua posição nostálgica, alguns anos depois:
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Saudade. Éramos mais puros. Sob todos os aspectos. Pranchas sem cordinha e sem logotipos. Todos nadavam longas distâncias para pegá-las e ninguém reclamava da falta de patrocínio, nem do patrocinador, pois eles não existiam. Cada um se virava com criatividade ou esforço para conseguir viajar em busca de ondas melhores ou para participar daquele pioneiro, exótico e místico campeonato longe do seu país. A única recompensa era a alegria de surfar ondas que você só conhecia através de uma foto ou a realização pessoal de participar de campeonatos que tinham a sua história contada pelo boca-a-boca dos mais viajados (BOCÃO, 2006)


141525_FernandaGuerraesuapranchaBarlA grande bilheteria de Nas ondas do surf, com todos os limites de sua realização, de alguma forma indica a já grande presença desse esporte entre a juventude e antecipa em alguns anos o espaço que ocupará no imaginário da população nos anos 80. Antes, contudo, do sucesso dos filmes dessa década ainda tivemos nos 70 outro longa em que o surfe ocupou espaço de relevância:

nosembalosdeipanema_thumb1Nos embalos de Ipanema

Nos embalos de Ipanema (Antônio Calmon, 1978) não pode ser chamado efetivamente de um filme de surfe, embora flertasse, buscasse vinculação e desejasse atrair um público específico. Calmon, que já dirigira algumas pornochanchadas, parece ter realizado uma película híbrida, esteticamente no meio do caminho entre os anos 70 e anos 80, já visualizando um possível público juvenil, mas ainda trazendo muitos elementos de suas experiências cinematográficas anteriores (vale lembrar que, ao contrário de seus próximos filmes, neste a censura foi de 18 anos).


O diretor, na verdade, sempre procurou ponderar seu envolvimento com o gênero:

é necessário fazer um segundo esclarecimento: é muito mais fácil simplesmente me colocar como um realizador de filmes pornô ou, sejamos diretos, de pornochanchadas, do que reconhecer a incapacidade de crítica diante do novo. As pornochanchadas sempre foram conformistas e meus filmes são corrosivos. As pornochanchadas são moralistas enquanto que meus filmes são totalmente amorais. As pornochanchadas odeiam o sexo e a mulher, duas das referências mais importantes do meu cinema. A pornochanchada, finalmente, é sintoma de um estágio primitivo da sexualidade, o que não é exatamente o meu caso


O fato de um autor se apropriar culturalmente de um fenômeno de massas não é a mesma coisa do que fabricar cegamente um produto para ganhar o mercado. Eu não conseguiria fazer uma pornochanchada “pura” mesmo que quisesse. Acredito que o artista, independente de um programa ou de justificativas intelectuais, sempre reflete em seu trabalho o próprio mundo interior e a interação deste mundo com a realidade social. Sei que faço um cinema agressivo e irreverente, que não me apoio na chamada respeitabilidade artística tão importante em nossa província cultural e que nem me guardo num vanguardismo que pode ser fascinante aqui, mas é ridículo nas matrizes de Nova York e Paris. Meus filmes são sujos e ásperos como o país e não uma transposição imaculada e “artística” da realidade

Menino do Rio e a garota dourada

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Menino do Rio (Antônio Calmon, 1981) foi o primeiro filme brasileiro dos anos 80 dirigido ao público jovem. Na esteira do seu sucesso, dois anos depois é lançada uma continuação, Garota dourada (Antônio Calmon, 1983). Estava prevista ainda uma terceira parte, Menina Veneno, nunca realizada.
Nos dois longas, o personagem central é Valente (André de Biase), praticante de surfe e de vôo livre, membro de um grupo adepto a uma vida em que a simplicidade e o contato com a natureza são valorizados. Ao contrário de Toquinho, o surfista de Nos embalos de Ipanema, Valente é um herói sem ambigüidades morais. Deve-se ressaltar, contudo, que nos dois filmes da década de 80 não temos exatamente vilões. Além disso, esse novo herói não está mais tão preocupado com os desígnios sociais, mas sim mergulhado em suas próprias questões. Em Menino do Rio, a história da paixão de Valente por Patrícia (Cláudia Magno), frívola e ligada à alta sociedade, tem como pano de fundo alguns temas que compõe um belo panorama dos anos 80. Não é equivocado afirmar que o filme capta, reforça e mesmo antecipa algumas das novas dimensões que vão marcar a sociedade brasileira daquela década.
A película reflete um certo fastio com o clima opressivo dos anos 70, fruto tanto da situação de exceção política quanto do quadro econômico observável desde os anos 50: a aceleração do processo de industrialização ocasionou o rápido crescimento das cidades e a difusão dos novos produtos tecnológicos; como contraponto desencadeia-se um movimento de valorização do ambiente natural, um dos grandes componentes que estimularam o crescimento e estruturação dos esportes na natureza. Como afirmam MELO e DIAS (2007, p.8):

O surgimento e/ou consolidação de hábitos de lazer estão diretamente relacionados aos “efeitos mentais” desencadeados pela nova organização das metrópoles. Na medida em que as taxas demográficas vão aumentando, a euforia inicial vai dando lugar à condenação desse ambiente urbanizado. As cidades passam a ser retratadas como “um pesadelo de multidões”, dotadas de um “cotidiano cercado de tormentos”. 140145_256x415RusseleGeraldo_thumb1A vida urbana passa a ser avaliada como insalubre, infectada, comprometida pelo ar sujo e poluído. (...) Nesse contexto, vemos crescer as preocupações com os “cuidados com o corpo e com a alma”, popularizava-se ainda mais o exercício físico como forma de ocupação do tempo livre. A necessidade e o desejo de “desempenar os corpos” passam a ser mais comumente notados. (...) Cresce também a valorização da idéia de natureza. O sol, o mar e a montanha passam a ser cada vez mais adorados. Esse “culto” era também perceptível no surgimento de novos modismos, como o da jardinagem como hobby, da valorização de restaurantes de comida natural/macrobiótica e da popularização de certas práticas realizadas em contato com o ambiente natural. (...) Os esportes desenvolvidos em contato com a natureza se popularizam. O surfe, que em menos de uma década se disseminou entre jovens de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro, é um exemplo claro

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Menino do Rio dialoga claramente com o já discutido processo de desenvolvimento dos esportes de natureza, com referências à influência californiana. As citações ao surfe já podem ser perceptíveis na logomarca da película, muito veiculada no enorme esquema de marketing que cercou seu lançamento e divulgação. Não surpreende também que a música central seja De repente Califórnia, de Lulu Santos e Nélson Motta:

Garota eu vou pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas, vou ser artista de cinema, o meu destino é ser star. (…) Na Califórnia é diferente irmão, é muito mais do que um sonho

O estilo despojado que marca os personagens centrais parece ser uma releitura local de uma cultura de praia, que tem no Havaí (e em seus símbolos, como os trajes estampados, os luaus, a alimentação) tanto uma referência quanto uma perspectiva, um ideal: esse é o desejo central de Valente, para lá viajar, junto com seu amigo Paulinho (Evandro Mesquita), que lá já vivera como esportista e mergulhador profissional. Este foi o sonho e um ritual de passagem para muitos surfistas brasileiros da época e mesmo dos dias de hoje. Claramente empenhado na configuração de uma cultura juvenil, não surpreende que o filme dialogue com a conformação de uma cultura pop, algo claro inclusive na escolha dos músicos envolvidos com a produção (onde se destacam os nomes de Nélson Motta e Lulu Santos), precursores dessa proposta nos anos iniciais de 1980. O processo de distensão política e um certo ar de maior liberdade que voltava a soprar, impulsionava as possibilidades de produção cultural no âmbito de várias manifestações artísticas, mais reconhecidamente na música, com a gestação da conhecida geração BRock.
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Há ainda um diálogo local, com a própria cidade do Rio de Janeiro, em si uma importante “personagem” a trama. Salta aos olhos a sua beleza natural, em pontos hoje praticamente irreconhecíveis em função do rápido processo de urbanização, notadamente da região da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes, onde não por acaso se passa grande parte da trama. Como demonstra Cléber DIAS (2008), essa é uma região chave na construção de novos sentidos e significados para a cidade do Rio de Janeiro no período posterior à transferência da capital para Brasília, lócus principal do desenvolvimento dos novos esportes relacionados à natureza. O filme, aliás, elege como locações espaços simbólicos do surfe carioca e nacional:
Saquarema, onde foram realizados os primeiros festivais, a partir de 1975;
São Conrado, mais marcado pela prática do vôo livre;

140149_412x415_thumb4E Arpoador, reconhecidamente a praia onde a cultura surf se consolidou no país, local, aliás, onde se instalou inicialmente o Circo Voador, casa fundamental para o surgimento e consolidação dos grupos musicais brasileiros nos anos 80.



Não surpreende, assim, que o título faça referência à música de Caetano Veloso, que homenageava um carioca típico: a película enaltece um tipo ideal de “carioca Zona Sul”, algo reforçado até mesmo pela escolha dos atores, gente que tem “a cara do Rio” (tais como Evandro Mesquita, Sérgio Mallandro, Cláudia Magno, além do próprio André de Biase, ainda que esse seja, na verdade, natural do Espírito Santo). Mesquita, Biase e Mallandro eram de fato surfistas amadores.
Em Menino do Rio, a narrativa e as opções estéticas ainda estavam distantes das atuais. As imagens dos corpos dos atores e atrizes, por exemplo, eram bastante distintas da atual exibição exuberante de músculos hipertrofiados e bem definidos;
A própria forma de filmar de Calmon, calma e pausada, estava distante da lógica clip que marcaria as produções juvenis no decorrer dos anos 80. Nesse sentido, Garota Dourada parece ocupar um espaço intermediário entre Menino do Rio e Armação Ilimitada. Ainda que mantendo as tomadas lentas e pausadas, Calmon já busca um diálogo maior com os videoclipes, com os videogames, com as histórias em quadrinhos. A idéia de velocidade timidamente já se apresenta na inserção de ultraleves e da moto pilotada pela anjo Gabriel (interpretada pela cantora Marina), embora ainda prepondere o ideal de afastamento da cidade, de comunidade isolada à busca de prazer nas coisas simples da vida. Não surpreende que a nova heroína chame-se Diana (Bianca Byington), na mitologia romana a deusa dos animais e da caça. Se em Menino do Rio, tratava-se de condições originais, que desencadeavam os conflitos da trama, em Garota Dourada essas opções de vida são apresentadas como uma retomada, tanto para Valente, que fora abandonado, no início da trama, com sua filha, por Patrícia (Cláudia Magno), insatisfeita com o casamento que marcou o fim do primeiro filme, quanto para Zeca 140139_552x415PAULETI_thumb
(Sérgio Mallandro), que agora astro do “rock” demonstra cansaço com a extensa agenda e com a perseguição das fãs. Os dois praticamente fogem para Encantado, um lugar mágico no litoral de Santa Catarina. Em ambas, o esporte, notadamente o surfe, compõe o quadro imagético e de representações, sendo central na configuração dos personagens e na constituição das dicotomias. Natureza, saúde, juventude, desafio, liberdade. Calmon, juntamente com Biase, ator símbolo dessas realizações, parecem ter captado bem as dimensões que marcavam o período.
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Menino do Rio tem mesmo um ar de releitura da contracultura. Lá está a valorização da vida simples, do contato com a natureza (inclusive no que se refere à alimentação), do despojamento de bens materiais em excesso. Há a valorização da amizade, do companheirismo e fortes referências a uma cultura hippie, inclusive a símbolos orientais. Há insinuações ao uso de maconha, certamente atenuadas porque uma das cenas fora cortada pela censura em função de, segundo o parecer, alguns personagens estarem fumando “um cigarro não convencional”. O surfe aqui apresentado dialoga com essas representações, mesmo que seu processo de profissionalização já estivesse em curso. Há referências à liberdade sexual, explícita tanto nos comportamentos dos personagens centrais quanto em pequenas passagens, como, por exemplo, no fato de Ciça (representada por Nina de Pádua), amiga de Patrícia, aparecer lendo o “Relatório Hite sobre a Sexualidade Feminina”, um “best seller” à época.
Em Garota dourada, outra discussão será alavancada ao redor da figura de Diana: a independência feminina.
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Se Patrícia, no início do filme, já demonstrara desprendimento ao deixar o marido e a filha para buscar a felicidade, comunicando sua escolha a Valente simplesmente com um bilhete, Diana desempenha o papel da fêmea que escolhe: diante de Valente e Betinho (Roberto Bataglin), é ela que decide com quem vai ficar. Vale lembrar que na mitologia romana, a deusa Diana valorizava sua virgindade e não se casara, mantendo-se sempre casta. O conflito central, mais claro em Menino do Rio, é mesmo entre um estilo de vida tradicional, conservador e abastado, e outro jovem, livre e simples, do qual o surfe e os esportes de natureza fazem parte. Valente, mesmo tendo nascido no seio de uma família rica, abandona os negócios do pai para viver como surfista. Patrícia sente-se incomodada com a estrutura de sua família e abandona o “playboy” Adolfinho (interpretado por Ricardo Zambelli) para se envolver com Valente. Ao fim, encerrando o filme, uma cena antológica:
O casamento de Patrícia e Adolfinho, no tradicional Gávea Golf and Country Club, é interrompido por Valente, que chega de asa delta e leva a noiva consigo. A mesma Patrícia, ao final de Garota Dourada, perderá Valente para Diana: paga por ter abandonado a família, a simplicidade e ambicionado pela volta ao seu antigo esquema de vida. Nesse novo modelo de vida, o sonho de trabalho está ligado não mais à possibilidade de acúmulo de dinheiro ou aquisição de bens luxuosos, mas sim à oportunidade de viver sem se afastar de seu estilo. Em Menino do Rio, os personagens-centrais trabalham com fotografia de esportes (caso de Zeca), com atividades ligadas à natureza (caso de Paulinho) ou com a confecção de pranchas, caso de Valente, que inclusive ensina o ofício a Pepeu (interpretado por Ricardo Graça Mello). Pepeu, aliás, é um personagem central nesse sentido: abandona uma família destruída, à busca do sonho de ser famoso; seu encontro com Valente, que lhe ensina a surfar e a shapear pranchas, cria a alternativa que procura para ser feliz. É o personagem que supostamente compôs e canta todo o tempo a música De repente Califórnia.
140132_395x415FernandaGuerra_thumb2Aqui voltamos ao curioso aparente paradoxo do desenvolvimento do campo do surfe. A manutenção de uma visão romântica sobre o esporte vai mesmo acabar impulsionando, não sem debate, a profissionalização: era uma forma dos amantes da prática ganharem a vida sem dela se afastarem. Nesse mesmo cenário, iniciativas comerciais diversas vão se estruturar. Isso de forma alguma significa o abandono do discurso romântico: muito pelo contrário, ele é central nas estratégias de “marketing” construídas. Aliás, os dois filmes são exemplos típicos dessa apreensão. Essas contradições serão sempre aparentes. Na parede da oficina de Valente se lê: “Minha prancha é meu instrumento, o surfe minha expressão”. As pranchas são confeccionadas artesanalmente, mas também herdeiras do enorme desenvolvimento tecnológico e da descoberta de novos produtos, como a fibra de vidro e o poliuretano. Para concluir, é importante dizer que é óbvio que uma parte muito pequena dos cariocas, nem mesmo a maioria dos jovens da Zona Sul, vivia algo semelhante ao que era exibido nas telas pelos dois filmes. O que nos interessa, todavia, não é tratar as películas como expressão da realidade e sim como representações que de alguma forma partiam de elementos concretos para construir modelos de juventude, pautados em perspectivas de sociedade.
E nesse cenário, um novo esporte era elencado como exemplar, uma nova prática esportiva passaria a freqüentar as telas dos cinemas como sinônimo de liberdade, saúde, desafio: o surfe.

Considerações finais

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Na década de 70, a sua única chance de escrever algum pensamento, levantar uma polêmica ou relatar um fato para a comunidade do surf no Brasil era na pioneira revista Brasil Surf. Trinta anos depois, além das revistas especializadas, programas em rádio e televisão, são vários os sites na internet que noticiam o surf no dia-a-dia através de textos, fotos e vídeos (BOCÃO, 2006).
Articulados com o contexto nacional e dialogando com o cenário internacional, os quatro filmes analisados neste artigo, com claras distinções entre si, sinalizaram e contribuíram no forjar de novas dimensões simbólicas para a sociedade brasileira na transição dos anos 70/80, na qual o surfe passou a ser uma presença mais constante em vários espaços.
Tais películas permitem captar um importante momento de configuração do campo constituído ao redor desta prática, tendo contribuído, junto com outras mídias, para a divulgação, para um público mais amplo, do estilo de vida e da cultura a ela relacionadas. O surfe, o vôo livre, o “windsurfe” são apresentados como uma forma de encontro de uma nova juventude saudável com a natureza, um certo contraponto à lógica do trabalho e a uma sensação de ambiente opressivo das cidades: trata-se de uma alternativa. Por um lado, o cinema incorporou e tematizou um universo cuja adesão entre os jovens era significativa.
Crianças e adolescentes constituíram grande parte do público que compareceu às salas de projeção, e muitos deles se encantaram com a nova proposta de viver exibida nas produções. Por outro, ao difundir as diversas dimensões do surfe, ajudaram não só a aumentar o número de adeptos, mas também disseminar uma série de produtos consumidos pelos atletas e/ou admiradores (pranchas, bermudas, óculos escuros, camisetas, adesivos, bonés, mochilas etc.) e práticas como a alimentação natural, o luau, certos estilos musicais (“rock”, “reggae” e mesmo um específico, o “surf music”).


Na verdade, poucos esportes são tão cinematográficos quanto o surfe, notadamente pelo espetáculo “cênico” e pela “adrenalina” e emoção desencadeadas pelas cenas no mar. Não surpreende que na história do cinema, notadamente norte-americano, seja um dos esportes mais filmados. Ricardo BOCÃO (2004) vai direto ao ponto:
“E não tem coisa mais legal do que ver surf de qualidade, com ondas perfeitas, projetadas numa tela enorme e com uma puta trilha sonora gravada em 5.1 dolby surround. Mais emocionante, só mesmo ao vivo e, mesmo assim, em alguns picos as ondas quebram longe da areia e você ainda tem que subir numa duna, longe da água, para ver a galera surfando”.
No cinema brasileiro, nas décadas seguintes, o surfe continuaria a marcar presença. Vejamos uma breve lista de alguns filmes onde ele esteve, em maior ou menor grau, representado:

Manobra radical (Elisa Tolomell, 1991);

Surf adventures (Arthur Fontes, 2001);

Fábio fabuloso (Pedro Cezar, Ricardo Bocão, Antônio Ricardo, 2004);

O diabo a quatro (Alice de Andrade, 2004);

1972 (José Rondeau, 2005);

Tow in surfing (Jorge Guimarães, Rosaldo Cavalcanti, 2006);

Podecrer! (Arthur Fontes, 2007);

Meu nome não é Johnny (Mauro Lima, 2008);



Essas películas acima, contudo, podem nos dizer outras coisas sobre a sociedade e sobre a própria prática do surfe. O próprio processo de profissionalização e aumento do número de praticantes expressa outro cenário e traz preocupações para os envolvidos com o campo, algo que não poucas vezes desencadeou discursos saudosistas e o uso da história como forma de construir uma legitimidade para que alguns proponham a manutenção de certos valores. Isso fica bem denotado na posição de Ricardo BOCÃO (2003):

Agora, na primeira década do novo século, um aumento repentino de gente na água está ameaçando valores originais do surf, como a pureza, a autenticidade e o romantismo. (...). O surf, como nós o conhecemos, veio do Hawaii. E as tradições havaianas do universo do surf na primeira metade do século passado, antes dos campeonatos, das revistas e de toda a comercialização de produtos, eram fruto de valores envolvidos pela pureza, autenticidade e romantismo. Aqui no Brasil estes valores foram cultuados, principalmente, na década de 60 e na primeira metade de 70. Agora, na primeira década do novo século, um aumento repentino de gente na água está ameaçando valores originais do surf, como a pureza, a autenticidade e o romantismo

Mas essa já é outra história, assunto para outro artigo.

Abstract

Surfing in the cinema and the Brazilian society in the transition from the 70s to the 80s



In the transition from the 70s to the 80sfour films in which surfing was a central issue were released, in
Brazil, attracting large crowds:
Nas ondas do surf, by Lívio Bruni Júnior (1978); Nos embalos de Ipanema (1978), Menino do Rio (1981), nd Garota Dourada (1983), all by Antônio Calmon. Besides, this sport was represented as a side theme in other motion pictures. What lies beneath this enormous growth of surfing's presence in Brazil's movies?
How can this help us think not only the different configurations of the sport field but also the specific Brazilian sociocultural context?
Considering such questions, this article aims to analyse these four films, produced in Brazil between 1978 and 1983, in which surfing occupied privileged space. We conclude that the studied films signaled and helped forge the new symbolic dimensions for the Brazilian society in the transition year 70/80, in which surfing has become a more constant presence in several areas.


UNITERMS: Sport history; Sport sociology; Youth.








Notas

1. Algumas fontes indicam que o surfe já era praticado no Brasil desde a década de 30, na cidade de Santos. Contudo, é mesmo no Rio de Janeiro da década de 50 que começa a se estruturar um campo ao redor da prática, inclusive com os primórdios de uma cultura surf. Para maiores informações, ver estudo de DIAS (2008).
2. A trajetória de Colassanti é bastante interessante. Participou, como ator ou na parte técnica, em mais de 30 longas-metragens, tendo sido também um dos pioneiros do surfe e da caça submarina no Brasil. Morador de Ipanema, era a perfeita incorporação de um personagem de filme de surfe.
3. Para maiores informações sobre a relação entre a bossa nova e o público jovem, ver estudos de MORELLI (1991) e BUENO (2005). Foge ao recorte deste estudo discutir profundamente esse filme. Para maiores informações, ver estudo de SALEM (1997).
4. Em consulta realizada no banco de dados da Cinemateca Brasileira (www.cinemateca.com.br) pode-se perceber uma curiosa ocorrência. Nos anos de 1966/1967 é possível encontrar cenas de surfe em cinejornais. Após esse período, somente em 1977 o esporte volta a esses programas, como, por exemplo, em Brasil Hoje, número 210, onde se podem encontrar imagens da etapa brasileira do 1º Circuito Mundial de Surfe, realizada em 1976, no Arpoador, Rio de Janeiro.
5. Para maiores informações, ver também o sítio da Agência Nacional de Cinema (Ancine): http://www.ancine.gov.br/
6. Maiores informações e a lista completa de filmes em que o surfe esteve presente podem ser obtidas em http://www.anima.eefd.ufrj.br/esportearte/.
7. Para o historiador australiano Douglas BOOTH (2001), contribuiu para a divulgação da cultura do surfe o fato de os grandes estúdios cinematográficos estadunidenses, os mais poderosos do mundo, estarem sediados na Califórnia.
8. É interessante observar que algumas cenas de surfistas já tinham sido pioneiramente exibidas em Waikiki surfers, de R.K. Bonine (Thomas Edison Company, 1906).
9. Uma discussão sobre esse aspecto pode ser encontrada no estudo de BUENO (2005).
10. Ricardo Bocão foi um dos surfistas mais importantes do Brasil nos anos 70. Um dos pioneiros na estruturação do campo, apresentador e produtor de programas de televisão e de filmes, organizador das primeiras escolas de surfe e de vários serviços ligados ao esporte, hoje é um dos colunistas da Fluir. Usamos neste artigo suas falas por as considerarmos fonte privilegiada acerca das representações sobre a prática.
11. Produção: Livio Bruni Junior, Rossini Maranhão Filho; Elenco: Pepe, Rico, Daniel Friedman, Otávio, Bocão, Maracá, Zeca Proença, André Pitzalis, Gerry Lopez , Rory Russel, Mark Richards, Mark Warren, Reno Abellira, Michael Ho; Narração: Sergio Chapelin; Montagem: Leovigildo Cordeiro (Radar).
12. Vale lembrar que inicialmente o vôo livre chegou a ser chamado de “sky surf ” e que Pepê, um dos pioneiros do surfe, foi também campeão mundial de asa delta.
13. Produtor: Pedro Carlos Rovai; Roteiro: Armando Costa, Leopoldo Serran, Antônio Calmon, Pedro Carlos Rovai e Silvan Paezzo; Fotografia e câmera: Roberto Pece; Intérpretes: André de Biase, Angelina Muniz, Zaira Zambelli, Paulo Villaça, Roberto Bonfim, Selma Egrei, Gracinda Freire, Yara Amaral, Suzy Arruda, Jacqueline Laurence, Mauro Mendonça, Ronaldo Santos, Stepan Nercessian, Flávio São Thiago.
14. Entrevista publicada no Globo de 13 de junho de 1978. Disponível em: http://www.guesaaudiovisual.com/palavras/
EntrevReport/AntonioCalmonAspornochanchadas.html. Acesso em 5 de janeiro de 2008.
15. Roteiro: Antônio Calmon e Bruno Barreto; Produção: Luiz Carlos Barreto e Lucy Barreto; Música: Guto Graça Mello; Fotografia: Carlos Egberto; Elenco: André de Biase, Cláudia Magno, Ricardo Graça Mello, Cissa Guimarães, Cláudia Ohana, Evandro Mesquita, Sérgio Mallandro, entre outros.
16. Roteiro: Antônio Calmon e Flávio Tambelini; Produção: Luiz Carlos Barreto e Lucy Barreto; Música: Guilherme Arantes; Fotografia: Carlos Egberto; Elenco: André de Biase, Cláudia Magno, Andréa Beltrão, Ricardo Graça Mello, Sérgio Mallandro, Roberto Bataglin, Bianca Byington, Geraldo Del Rey, Marina Lima, Fabianne Rocha, Carlos Wilson, Alexandre Frota, Ritchie, Guilherme Arantes.
17. Vale lembrar que o produtor já organizara o espetáculo "Som, Sol e Surf", por ocasião de um dos Festivais realizados em Saquarema, no ano de 1976.
18. Para maiores informações, ver as obras de DAPIEVE (1995) e BUENO (2005).
19. Para uma discussão sobre a forma de filmar de Calmon, ver o estudo de RAMOS (1995).
20. É somente em 1987 que vai surgir o primeiro campeonato brasileiro profissional de surfe. De qualquer forma, como vimos, o campo já estava se delineando e se profissionalizando desde meados dos anos 70.
21. Uma discussão interessante sobre tal aspecto pode ser encontrada no estudo de FORTES (2007).
22. Para maiores informações sobre a importância da tecnologia para o surfe, ver estudo de DIAS (2008).
23. Somente, por motivos diversos, o boxe foi tão filmado. Para maiores informações, ver estudo de MELO e VAZ (2006)







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