Surf no cinema e a sociedade brasileira na decada de 70 e 80 – parte II

O surfe no cinema
e a sociedade brasileira
na transição dos anos 70/80

 

O surfe no cinema

Introdução

O surfe no cinema e a sociedade brasileira na transição dos anos 70/80

Na transição dos anos 70 para os anos 80 foram lançados quatro longas-metragens nos quais o surfe esteve centralmente presente, todos atraindo grande público: Nas ondas do surf, de Lívio Bruni Júnior (1978); Nos embalos de Ipanema (1978), Menino do Rio (1981) e Garota dourada (1983), os três de Antônio Calmon. Além disso, como coadjuvante, este esporte esteve ainda representado em outras películas do período.


O que teria impulsionado o aumento da presença do surfe na produção cinematográfica brasileira? Como isso pode nos ajudar a pensar não só nas diferentes configurações do campo esportivo como também no contexto sociocultural do país à época? Tendo em vista tais questões, esse artigo tem por objetivo analisar as quatro películas nas quais o surfe ocupou espaço privilegiado, produzidas no Brasil entre os anos de 1978 e 1983. Concluímos que os filmes analisados sinalizaram e contribuíram no forjar de novas dimensões simbólicas para a sociedade brasileira na transição dos anos 70/80, na qual o surfe passou a ser uma presença mais constante em vários espaços.


UNITERMOS: História do esporte; Sociologia do esporte; Juventude.
Silvinha, Carol e Melissa, três amigas adolescentes que estudam no Colégio São Jorge, uma escola de classe média, conversam sobre seus sonhos. O diálogo se passa no quarto de Melissa. Carol, recém-chegada do exílio com os pais, sonha em ser diretora de cinema e filma o bate-papo com uma câmera super 8. Perguntada sobre o futuro, a anfitriã sorri e diz que quer se casar com o “menino do Rio”.
Enquanto fala, volta-se para a parede, onde se vislumbra um pôster do filme de mesmo nome. A cena narrada é de Podecrer!, filme de Arthur Fontes que esteve em cartaz nos cinemas brasileiros nos últimos meses de 2007. A trama se passa na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1981, o mesmo de lançamento de Menino do Rio, de Antônio Calmon. A caracterização do lugar e da época apresenta o surfe e a praia como referências para as personagens principais, tanto as femininas, que freqüentam constantemente o espaço, quanto as masculinas: Tavico, João, PP e Marquinhos são praticantes do esporte.
De fato, entre o fim dos anos 70 e o início dos 80, o surfe, que se estruturava definitivamente no Brasil, um processo que tivera início na década de 50, ocupou espaço de destaque em alguns longas-metragens. Anteriormente, a prática somente estivera presente em Garota de Ipanema (1967), um filme de Leon Hirszman, que tivera como roteiristas o próprio Leon, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha e Eduardo Coutinho.ArdunoColassanti_thumb1
A película traçava um perfil da classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro e nos anos 60, sendo uma tentativa de desmistificar a idéia de “juventude dourada carioca”. Na trama, Márcia (interpretada por Márcia Rodrigues), a protagonista, tem um namoro com o campeão de surfe Pedro Paulo (Arduíno Colassanti).
Naquele momento, a referência a este esporte já dialogava com a configuração de uma cultura juvenil de classe média, algo que não surpreende se considerarmos na película a presença e influência da bossa nova, um produto musical que dialogava claramente com o gosto deste estrato da população.
141522_ArdruinoColassanti_thumb1Depois de mais de 10 anos sem aparecer nos longas e curtas produzidos no Brasil, naquela transição das décadas de 70 e 80 foram lançados quatro filmes onde o surfe esteve centralmente presente:
Nas ondas do surf, de Lívio Bruni Júnior (1978);
Nos embalos de Ipanema (1978);
Menino do Rio (1981);
Garota dourada(1983);
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Os três últimos de Antônio Calmon. Não foi nada desprezível a bilheteria dessas fitas, mesmo para os padrões do cinema nacional da época, superiores aos atuais. Segundo RAMOS (1995), Menino do Rio foi assistido por mais de dois milhões de pessoas, Nos embalos de Ipanema por mais de 500.000 mil espectadores, e Garota dourada, por mais de 600.000. Segundo BUENO (2005), Nas ondas do surf foi a segunda maior bilheteria de 1978. Além disso, como coadjuvante, o surfe também esteve presente em outras películas no decorrer da década de 80:
Vai Vem à Brasileira, de Manuel Carlos Semião da Silva (1983);
Fulaninha, de David Neves (1986);
A menina do lado, de Alberto Salvá (1987);
O que teria impulsionado o aumento da presença do surfe na produção cinematográfica brasileira?
Como isso pode nos ajudar a pensar não só nas diferentes configurações do campo esportivo como também no contexto sociocultural do país à época?


Tendo em vista tais questões, este artigo tem por objetivo analisar as quatro películas nas quais o surfe ocupou espaço privilegiado, produzidas no Brasil entre os anos de 1978 e 1983. Estamos seguindo a trilha de outros pesquisadores que já argumentaram que são férteis e constantes as relações entre cinema e esporte no decorrer da história (MARAÑON,2005; MELO, 2006; MERIDA, 1995; RAMIÓ, 2003).
Fenômenos típicos da modernidade (ainda que possuam raízes anteriores), se organizando a partir das mudanças culturais, sociais e econômicas observáveis desde o fim do século XVIII e no decorrer do século XIX, ambos constituem-se como poderosas representações de valores e desejos que permeiam o imaginário do século XX. Ambos celebraram e foram celebrados pelas novas dimensões de vida e de sociedade construídas no decorrer do século que passou (MELO, 2006).


Seus diálogos constituem-se, portanto, em potenciais fontes para que possamos melhor compreender determinadas representações, sendo úteis para ampliar o nosso entendimento tanto sobre a prática esportiva quanto sobre a sociedade retratada. Introdutoriamente apresentaremos alguns aspectos relativos à conformação do campo construído ao redor do surfe, buscando coletar elementos que nos ajudem a compreender a presença deste esporte no cinema brasileiro no período estudado. Posteriormente retomaremos algumas dessas discussões, quando nos debruçarmos mais especificamente sobre os filmes a serem analisados.

O surf entra em cena


SurfPost5758hawaiian_thumb Um importante aspecto a ser inicialmente considerado é a idéia de contracultura. Fenômeno do fim dos anos 60 e início dos 70, forjada em um contexto social, político e econômico complexo e específico, angariou adeptos e impulsionou arranjos e práticas diversas em distintos países, sempre dialogando com as peculiaridades locais. Apesar dessas especificidades, é possível elencar alguns traços gerais: a acentuada recusa dos valores da geração anterior; a presença de jovens de classe média, sobretudo estudantes universitários, entre os principais agentes; a contestação e a reivindicação de mudanças para superar o capitalismo e a tecnocracia; a aproximação com o misticismo e com visões mágicas de povos que privilegiam a integração e a união (e não a conquista) da natureza; o uso de drogas com sentido de autoconhecimento e auto-percepção (BOOTH, 2001;CLARKE, 1976; ROSZAK, 1972).
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Para alguns, alinhar-se com a idéia de contracultura significava sair de casa e recusar valores estáveis tradicionais. REDHOTBLUEjpg_thumb2Essa defesa de uma “vida nômade e libertária” se articula plenamente com uma certa representação da prática do surfe, algo bastante presente em muitos dos filmes nos quais tal esporte esteve inserido, relacionado a idéias como as de desapego dos bens materiais, de opção por uma vida simples junto à natureza e de realização de viagens com os amigos (CARMO, 2001; ROSZAK, 1972).RidetheWildSurfPosters_thumb
Tais ideais, todavia, nunca foram consensuais. Em um dos centros da contracultura, a Califórnia, se gestou “uma nova cultura hedonista” do surfe, que “rapidamente se difundiu pelo anel do Pacífico, inicialmente através de um gênero hollywoodiano de filmes de praia” (BOOTH, 2001, p.91).
surfrideart_thumbEste autor afirma que a “cultura do surfe” e a mídia estão associadas desde o princípio, uma relação que se tornou clara e tem como marco uma película específica, um grande sucesso à época:

produtores de Hollywood identificaram cedo o potencial comercial da nova cultura e a Columbia Pictures lançou o gênero hollywoodiano em 1959 com Gidget




por Victor Andrade de MELO - Escola de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Rafael FORTES - Universidade Federal Fluminense

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